Por Miguel Rodrigues
Cédula Profissional OPP nº16642
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta
A pessoa ansiosa com experiência de ataques de pânico comumente faz referência a um conjunto de sintomas responsáveis por grande desconforto. Aceleramento do batimento cardíaco inesperado, percebido como desorganizado causando medo terrifico de morte, sudorese, perda de força nas pernas, tonturas, pensamentos negativos, falta de ar.
“Quando isto me acontece penso mesmo que vou morrer, que vou enlouquecer...” a experiência é tão intensa que o medo de perder os sentidos passa a ser mais uma preocupação. “ se vou a tal sitio e tenho uma crise? É melhor não ir!” Condicionando em muito a sua vida, sentindo-se depender dos outros para um conjunto de atividades. No entanto, nestes casos, a possibilidade da perda dos sentidos parece ser bastante remota uma vez que ao desmaio está associado a baixa da glicemia, pressão arterial baixa e na crise ansiosa, o fenómeno fisiológico é exactamente o oposto. A pessoa está hipervigilante, focada na sobrevivência. Para aquilo que é sentido como uma ameaça à própria vida mobiliza todos os sentidos e recursos fisiológicos para o efeito, manter-se viva. O elemento mais desorganizante deste evento é o facto de na mobilização fisiológica e psíquica, o sujeito não ter um objecto para o qual dirigir essa energia e que fica contida em si mesma. O desgaste físico e psíquico é enorme e por isso ser também relatado um cansaço extremo após o ataque de pânico.
Os sintomas podem assemelhar-se aos do desmaio, uma vez que a hiperventilação leva a um desequilíbrio da relação entre o dióxido carbono e oxigénio no cérebro e por isso uma das primeiríssimas recomendações é tentar controlar a respiração inspirando e expirando durante alguns minutos, os suficientes que permitam a devolução de alguma calma.
A) Os exercícios de respiração são fundamentais nos momentos da crise (que pode demorar entre 10 a 15 minutos) mas também fora deles;
B) Ajudam a pessoa a focar-se em si mesma e conhecer melhor o seu processo fisiológico.
C) Há um domínio de contacto com o corpo que é possível desenvolver através dos exercícios de respiração e que se revelam fundamentais na capacidade da pessoa se autocontrolar.
D) Para além dos exercícios e respiração existem outras atividades que devolvem à pessoa mais confiança e domínio sobre si mesma. O exercício físico, as caminhadas na natureza, pintar, tocar um instrumento, sauna, massagens. Deve fundamentalmente procurar atividades na qual experimenta o prazer. Aquela atividade que viabilize a libertação de endorfinas fundamentais na regulação do nosso humor.
Mas o que é que está por detrás dos ataques de pânico?
Há várias factores (isolados ou associados) responsáveis pelo desenvolvimento desta reação psíquica e física. Estão intimamente ligados à sua experiência emocional/relacional vivida num período ou época (tempo/ espaço) circunstância do seu desenvolvimento na qual o sujeito passou por uma(as) experiência(as) traumática(as). As vitimas de bullying, violência doméstica, sexual ou uma educação rígida, castradora, impositiva sem espaço para a expressão do que sente ou pensa são um exemplo.
A pessoa experimenta durante um determinado período (tempo/espaço) o estar totalmente sozinha, isolada, num determinado contexto que põe em causa repetidamente a sua integridade psicológica e/ou física. Sente-se totalmente impotente para lidar com essas agressões, desprotegida, ameaçada, vítima de chantagem, o desaparecimento, a perda do amor, seja pelos pares, seja por aqueles a quem deveria recorrer (pais, professores, chefes, polícia) que por inexperiência, ignorância podem expô-la mais, ou pior ainda, podem também estes ser os agressores. i.e. pelo professor/a que tenta de forma inadequada resolver um problema complexo “Temos de ser todos amiguinhos” ou dos pais que dizem “ tens de ser forte” ou com soluções mágicas como “bate-lhes também” ou do chefe que diz “ se calhar você está a exagerar, então o Fonseca é tão brincalhão”. Não se tem em conta a gravidade e a consequência de tais abusos, repete-se a desvalorização da queixa, imputa-se a culpa à vitima "estás a exagerar...”, levando a uma integração da culpa e a vivê-la durante anos. Não denuncia com medo terrifico de represálias, intensificação das agressões, medo de colocar os que ama em perigo, pois para si as ameaças são levadas a sério.
O sentimento de impotência por um lado e culpa por outro, cultivado, vivido e integrado, isso foi o que experiência lhe deu. Constituindo-se no domínio intrapsíquico estruturas mais ou menos rígidas (da função defensiva) que mal ou bem permitiram à pessoa a sua sobrevivência (encapotamento do self); um esquema adaptativo ao outro foi minimizando as agressões que implicam uma sujeição às vontades externas e portanto uma subpressão das suas próprias vontades e desejos que passaram a ser sentidas com culpa. A experiência dessas relações "ensinaram-lhe” que sempre que estas eram expressas, foram tidas como coisas más, coisas erradas e portanto sempre que a pessoa dá por si (ouvindo-se, nesse dialogo interno) aciona um mecanismo de autorrepressão, culpabilizando-se, desvalorizando-se, condenando-se, o medo de falhar, de não conseguir ou de não agradar. (As pessoas que desenvolvem este tipo de funcionamento tendem ao desenvolvimento de expectativas muito elevadas em relação a si mas também em relação aos outros).
Em relação aos outros, fica à espera que estes demonstrem capacidade de reconhecimento do que esta fez por “eles” ... Capacidade de obtenção de reconhecimento pelas suas acções. Em relação a si mesma, as expectativas são tão elevadas que muitas vezes não as consegue realizar, desiste ou o tempo que despende supera o razoável, sendo sentido sempre com grande angústia associada a necessidade (funcionamento obsessivo) de ter tudo fundamentado, perfeito, sem falhas. É a necessidade de ter tudo sob controlo ativada no presente, num contexto relacional diferente mas que mobiliza a experiência emocional passada.
É aqui que reside o maior problema, a necessidade de ter tudo sob controlo. Tal como é referido anteriormente, foi no registo de antecipação (a pessoa vive sob a imprevisibilidade dos comportamentos do outro/os) aos eventos adversos que a pessoa foi resistindo, sobrevivendo, “escapando” aos conflitos, encontrando soluções para os outros e que possibilitaram minimizar agressões físicas, psicológicas ou ambas, sobreviver agradando ao outro.
Por isso o pedir ajuda é sempre difícil, o confiar em alguém apresenta-se como um grande desafio assim como o estabelecimento de limites sendo frequente acusarem cansaço extremo, dificuldade em dormir, pensamento ruminante e que decorre da necessidade de agradar a todos, essa busca interminável de reconhecimento mas também do medo da critica, do falhar.
Os ataques de pânico embora ocorram de forma mais ou menos imprevisível, dão-se quando a pessoa sente maior pressão (trabalho, família) há um gradual aceleramento generalizado e não percebido (do corpo e pensamento); quando é preciso lidar com conflitos, tomar decisões e que culmina com o ataque de pânico que é normalmente experimentado em locais seguros (i.e. no ginásio, na sala de aula, em casa, no hospital, etc) é como se o inconsciente autorizasse a desorganização porque ali a pessoa está segura, ali pode ter ajuda.
Este é um problema com solução, que requer a ajuda especializada da psicoterapia que pode melhorar muito a qualidade de vida da pessoa. Um conhecimento de si mesma que a permita perceber-se sem ser sempre de forma culpabilizante ou culpabilizadora. Que a permita criar um espaço “do pensar”, num espaço em que todas as suas partes têm cabimento. Tal com diria Odgen “ é possível ouvir todas as bancadas parlamentares do nosso pensamento”.
Miguel Rodrigues
Psicólogo Psicoterapeuta Relacional
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