Por: Inês Manaças
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
Cédula Profissional OPP nº15444
Afinal o que é a depressão? Como sabemos se estamos ou não deprimidos? Ou se temos características de uma personalidade depressiva?
A depressão pode abranger vivências emocionais distintas. Existe uma diferença básica no tipo de depressão a que nos referimos – a depressão reactiva (um estado psíquico face a uma situação de vida, como por ex., perda de um ente querido, separação, desemprego, etc.); e a depressão endógena (com características tão enraizadas na pessoa que ‘se confundem’ com a sua personalidade - factores constitucionais). Como é perceptível o segundo tipo é mais limitativo pelo seu carácter estrutural, e o tratamento é mais longo e complexo.
Normalmente associamos à depressão, uma falta de energia física emocional (cansaço), sentimentos de auto-desvalorização e culpabilização que tendem a condicionar e alterar a percepção da realidade bem como a afectar a relação coma a família e os amigos, tendendo a pessoa para o isolamento, evitamento e ‘aparente’ falta de interesse e motivação. Torna-se um ciclo vicioso em que a pessoa confirma as suas baixas expectativas sobre si, o que vai reforçando o sentimento de impotência e incapacidade.
E, como tratar a depressão?
Na psicoterapia, o que se pretende é que as origens do sentimento de impotência, as primeiras experiências que foram frustrantes, limitadoras ou impossibilitadoras de uma satisfação básica possam ser compreendidas, elaboradas e transformadas em outras experiências ou aceites não como uma condição de existência, mas como algo que foi sentido no decorrer de uma determinada circunstância.
Para além das raízes profundas na personalidade da pessoa que sofre de depressão, assiste-se, actualmente a uma cultura de evitamento do sofrimento. A angústia é camuflada, por um lado, pela bitola social do sucesso - tanto pessoal como profissional; como, por outro, por uma onda de teorias da promoção do bem-estar, da auto-realização e da confiança ‘caída do céu’ - ideias com o seu expoente máximo na psicologia positiva. Paralela e consequentemente, verifica-se o crescimento do consumo de antidepressivos com uma indústria farmacêutica florescente, que aposta em medicamentos cada vez mais inócuos de efeitos secundários, qual pílula milagrosa contra a dor.
De facto, em casos mais graves e em situações prolongadas, o tratamento medicamentoso é essencial para uma diminuição dos sintomas e uma maior disponibilidade mental para a recuperação terapêutica. Mas, não como resposta única e inevitável para alguém que sente que existem sentimentos, emoções e comportamentos que gostava de compreender melhor, aceitar ou transformar. A ingestão medicamentosa pode minorar ou até inibir o nível sintomático, mas não resolve a origem dessa sintomatologia. E mais, este sintoma é também comunicacional, resultado de uma tentativa de expressão de que algo não está funcional. Ora, se inibimos o mesmo, impedimos o desenvolvimento de uma resposta da pessoa e se, aparentemente a mesma se sente melhor, tenderá a aceitar a situação em que se encontra, não sentindo necessidade de a modificar. Portanto, a longo prazo, poderemos correr o risco de uma anulação maior da pessoa face à sua própria existência - o que acaba por prolongar a tendência depressiva e a inibição egóica, caindo a mesma num ciclo de tratamento fechado de carácter paliativo. Ainda mais, as pessoas com tendência para se deprimirem têm em comum um tipo de personalidade mais dependente, com uma maior vulnerabilidade identitária face aos outros e ao meio. Logo, a ingestão de uma substância que produz um efeito positivo é por si só um atractivo, podendo criar uma dependência química e emocional.
Para que uma mudança possa acontecer é necessária uma compreensão das razões e motivações internas que estão subjacentes ao comportamento e que são um invariante no modo de agir e reagir; isto é, independentes das circunstâncias externas ou das situações mais ou menos favoráveis em que a pessoa se encontra. Porque é na repetição de um padrão comportamental que se torna desajustado e prejudicial que podemos conceber uma possibilidade de mudança e, paradoxalmente, será ao longo do processo de transformação que poderemos identificar a diferença e promovê-la quando é uma resposta mais satisfatória. Esta maleabilidade psíquica - qual massa com que trabalha o mestre a sua obra - é requerida para uma evolução favorável.
Acredito que para determinado tipo de sintomatologia depressiva em que existe uma base estrutural psicopatológica (é psicopatológica porque não é funcional e não favorece o desenvolvimento mental), a intervenção terá sempre uma componente terapêutica e relacional. O que se pressupõe na psicoterapia é exactamente a análise dos motivos, ora conscientes ora inconscientes que conduziram a determinados padrões comportamentais. E que essa compreensão não só diminua o sofrimento associado como também possibilite vias alternativas de crescimento emocional e uma experiência mais responsiva e segura de relação consigo e com os outros.
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